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A palavra contra a máquina: ‘Como Enfrentar o Ódio’, de Felipe Neto, e o Brasil entre a desinformação e a resistência

No cenário atual do Brasil, marcado por um ambiente político conturbado e pela banalização do ódio como ferramenta de disputa, Como Enfrentar o Ódio: A Internet e a Luta pela Democracia (Companhia das Letras, 2023), escrito por Felipe Neto, emerge como um documento essencial para compreender as engrenagens que sustentam a radicalização digital. O livro não apenas relata a trajetória pessoal de seu autor em meio ao fogo cruzado das redes sociais, mas serve como uma análise contundente de como a internet se tornou território fértil para ataques à democracia.



Felipe Neto, figura amplamente conhecida por sua atuação como criador de conteúdo e empresário do ramo da comunicação, assume aqui um papel mais incisivo: o de analista do presente. O livro transforma sua vivência — marcada por ataques orquestrados, tentativas de censura e ameaças constantes — em matéria de reflexão sobre o tempo que vivemos. Ao contrário do que se poderia esperar, Felipe não escreve para defender sua imagem. Escreve para denunciar uma lógica de destruição que se instalou nas redes e transbordou para a política institucional.


Ao se posicionar abertamente contra o bolsonarismo, Felipe se tornou, nos últimos anos, uma das figuras mais visadas por campanhas de desinformação. Não se trata aqui de um caso isolado, mas de uma engrenagem bem estruturada: influenciadores pagos, perfis automatizados, políticos que se alimentam do conflito permanente e plataformas que lucram com o caos. Ao revelar esses mecanismos, o autor traz à tona um cenário que, embora amplamente conhecido, ainda é pouco enfrentado de forma direta.


A escrita é marcada por frases curtas, objetivas, que se alinham ao ritmo veloz das redes sociais — espaço onde, afinal, tudo isso acontece. Mas isso não impede que o conteúdo seja denso. O livro propõe uma leitura crítica do papel das plataformas digitais na manutenção de um ecossistema que prioriza o engajamento a qualquer custo, mesmo quando esse engajamento é alimentado por ódio, mentira e manipulação emocional. Não por acaso, o texto se alinha ao pensamento de estudiosos como Shoshana Zuboff e Jason Stanley, ainda que sem o viés acadêmico tradicional. Felipe traduz essas ideias para um público mais amplo, oferecendo ferramentas de interpretação da realidade.


O impacto do livro se amplia quando confrontado com os fatos mais recentes. Nos últimos 30 dias, o Brasil assistiu a uma nova escalada de ataques ao Supremo Tribunal Federal, alimentados por desinformação em massa. Diversos relatórios apontaram o uso de robôs para difundir vídeos adulterados, discursos distorcidos e narrativas falsas sobre decisões judiciais. Mais uma vez, a máquina do ódio operou em alta rotação. E é nesse contexto que a obra de Felipe Neto se impõe como leitura urgente. Não apenas como registro do que aconteceu, mas como instrumento de mobilização contra o que ainda pode acontecer.


Felipe é incisivo: não há espaço para neutralidade diante do avanço autoritário. O livro é, em sua essência, um chamado à ação. Ao longo dos capítulos, ele se posiciona com clareza, sem rodeios, e interpela o leitor diretamente: de que lado você está? A omissão é conivência. A neutralidade, cúmplice. Nesse ponto, Como Enfrentar o Ódio se aproxima da tradição dos manifestos políticos, embora mantenha o tom confessional e direto característico do autor.


Do ponto de vista literário, talvez o livro não traga grandes experimentações de linguagem. Mas ele compensa isso com conteúdo, com clareza, e com a coragem de dizer o que muitos preferem silenciar. É um livro de combate. Um texto que se posiciona. E que, ao fazer isso, reafirma o valor da palavra como instrumento de resistência. Em tempos de ruído extremo, escrever com clareza já é, por si só, um gesto político.


Felipe Neto nos obriga a olhar para o espelho. A reconhecer que a radicalização não é fenômeno distante, nem exclusivo de extremistas. É algo que atravessa o cotidiano, molda opiniões, interfere em eleições, destrói reputações. E o faz de forma silenciosa, eficiente, muitas vezes irreversível. Ao contar sua própria história, o autor ilumina as histórias de muitos que foram calados — ou que nunca conseguiram sequer se expressar.


Como Enfrentar o Ódio é, acima de tudo, um livro que nos convoca. Ele propõe um pacto pela verdade num tempo de mentiras. Uma defesa da democracia num país onde o autoritarismo segue à espreita. Uma reafirmação da leitura crítica como antídoto à manipulação. Não é uma obra final — é uma obra de abertura. De abertura de olhos, de escuta, de fala.


Num país onde o barulho das fake news tenta abafar qualquer reflexão, o livro de Felipe Neto surge como um grito. Um grito escrito. Um grito que chama outros. E que lembra: enquanto houver palavra, o silêncio nunca será total.

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