OPINIÃO | A chantagem americana e o Brasil refém: quando Bolsonaro virou um traidor e Trump tentou dobrar nossa democracia
- Zalxijoane Ferreira/Raul Silva
- 20 de jul.
- 6 min de leitura
Por Raul Silva -
Jornalista do Podcast Teoria Literária/Rádio Itapuama FM
Professor especialista em Língua Portuguesa e Literatura

"Você que inventou esse Estado inventou de inventar toda a escuridão"
Esses versos de Chico Buarque, que enfrentaram a censura na ditadura militar, voltam a fazer sentido em 2025. Mas agora, o nome por trás da escuridão é outro: Bolsonaro. E não é só ele. Seus filhos também estão no centro de uma das mais graves traições à soberania nacional da nossa história recente. Só que dessa vez, o golpe é outro: uma chantagem articulada de Washington, com a digital de Donald Trump. Em vez de resistirem e enfrentarem as consequências de suas ações perante a Justiça do Brasil, setores da elite política brasileira escolheram expor seu vazio moral e entregaram o destino do país ao jogo de interesses estrangeiros. O que vemos é mais um capítulo da velha submissão ao poder americano, que desde sempre se achou no direito de interferir nos rumos da América Latina. E agora, não se trata mais apenas de discursos: são ações econômicas agressivas, calculadas para forçar o Brasil a se ajoelhar diante de um presidente extremista dos Estados Unidos. O que antes era restrito a bastidores diplomáticos ou pressões veladas, agora se revela como um ataque escancarado, planejado, e alimentado com a ajuda daqueles que, ironicamente, costumam se autodenominar patriotas.

Em 9 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre todas as importações brasileiras a partir de 1º de agosto. A justificativa? Nenhuma que se sustente. O que ele disse, com todas as letras, foi que estava indignado com o julgamento de Bolsonaro no STF, chamando o processo de “vergonha internacional”. Foi um ataque direto à independência do nosso Judiciário, uma tentativa escancarada de usar o poder econômico dos EUA para pressionar o Brasil a parar o julgamento de um ex-presidente acusado de tentar um golpe de Estado. Isso não afeta só setores estratégicos da economia, como o agronegócio e a indústria. Abre também um precedente perigoso: o de um país soberano sendo punido economicamente por cumprir sua Constituição.
O recado de Trump foi claro: desafie Washington e sofra as consequências. Essa retórica escancara uma política de coerção, muito além da diplomacia tradicional. Trata-se de uma forma de guerra fria modernizada, onde o comércio vira arma para impor ideologia e interferir em assuntos internos de outros países. A simples menção ao processo judicial contra Bolsonaro já basta como justificativa para prejudicar economicamente o Brasil inteiro, como se o país estivesse sob tutela de uma potência estrangeira.
A resposta do Congresso Nacional foi de espanto — inclusive entre deputados e senadores da oposição. Jaques Wagner, líder do governo no Senado, foi direto ao ponto dizendo que essa sanção foi pedida pela própria família Bolsonaro, especialmente Eduardo, que está nos EUA pressionando Trump a retaliar o Brasil caso o pai não receba perdão judicial. Flávio Bolsonaro, outro filho chantagista, chegou ao ponto de marcar Trump numa publicação, pedindo sanções contra ministros do STF. Apagou depois, envergonhado. Mas já era tarde.

Tudo isso é o oposto do que se entende por patriotismo. Ao invés de defender o país, Bolsonaro e seus aliados atacaram as instituições brasileiras de dentro e de fora. E pior: fizeram isso para tentar escapar da Justiça. São gestos de quem se dispõe a ver o país sangrar, desde que a própria impunidade seja garantida. É um comportamento que, em outras circunstâncias, já teria sido considerado inaceitável até por seus pares — mas hoje encontra cumplicidade e silêncio em parte das elites políticas e econômicas.
A Polícia Federal confirmou que Jair Bolsonaro transferiu R$ 2 milhões a Eduardo Bolsonaro, para financiar ações de desestabilização institucional. Com esse dinheiro, ele se reuniu com aliados de Trump, pediu sanções contra ministros do STF, defendeu narrativas golpistas e apelou por interferência estrangeira num processo legítimo da Justiça brasileira. Enquanto isso, Jair preparava uma possível fuga: acumulou dinheiro vivo e escondeu pendrives com documentos ligados a ações internacionais contra o Judiciário. As investigações mostram um esquema bem articulado, envolvendo deputados republicanos, plataformas da extrema-direita e institutos alinhados ao trumpismo.
Eduardo, como deputado federal, agiu como uma espécie de embaixador informal de interesses golpistas. No exterior, tentou vender a ideia de que seu pai estava sendo perseguido politicamente — uma mentira que não se sustenta diante dos fatos. É uma rede transnacional da extrema-direita que se articula para proteger seus aliados e atacar instituições democráticas. E o Brasil, nessa equação, se tornou o laboratório de um novo tipo de guerra híbrida, que mistura desinformação, chantagem econômica e alianças internacionais obscuras para deslegitimar governos eleitos e seus sistemas judiciais.

É importante ser direto: isso é traição à pátria. Jair, Eduardo, Flávio e seus aliados não agiram em nome do Brasil, mas sim para se proteger. Sacrificaram a democracia, a economia e a soberania nacional para escapar da Justiça. E ao fazerem isso, entregaram o país nas mãos de uma potência estrangeira cujo presidente age como se fosse o xerife do planeta. E não ficou só no discurso: vieram sanções, ameaças e chantagens que colocaram o Brasil como alvo de uma ofensiva externa para desestabilizar nossa democracia.
Claro, Trump não fez isso apenas com o Brasil. Na mesma semana, anunciou tarifas contra o Chile, o Peru e o México. Mas, no nosso caso, ele foi além: exigiu que o STF encerrasse o julgamento de Bolsonaro, ameaçou ministros com sanções e chegou a revogar o visto de Alexandre de Moraes e de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus parentes imediatos — algo jamais visto entre democracias. É uma escalada perigosa, que não mira apenas nosso país. É uma mensagem clara a toda a América Latina: ou se alinhem ao projeto político e ideológico de Washington, ou serão punidos. E o mais grave é ver brasileiros — eleitos pelo voto popular — funcionando como correias de transmissão dessa agenda imperial, dispostos a enfraquecer o país em troca de proteção e conveniência.
É a velha doutrina Monroe — “América para os americanos” — agora vestida com populismo extremista. Trump tenta transformar o Brasil em refém e mandar um recado claro ao continente: desafie os EUA e pague caro por isso. E Bolsonaro, nesse enredo, virou o elo interno desse ataque externo. Se o tarifaço for mesmo imposto, o impacto será brutal: vai prejudicar o agronegócio, a indústria e as exportações.

E é fundamental dizer: essa crise não é culpa do governo Lula. Desde o início, o Planalto tratou o tema com seriedade, abriu diálogo diplomático, preparou medidas legais de resposta e manteve o compromisso com a estabilidade institucional. O próprio ministro Fernando Haddad foi direto: o que está acontecendo é fruto de chantagem organizada pela família Bolsonaro com apoio de Trump. Ceder a isso seria abrir mão da nossa soberania, enfraquecer o STF e entregar o destino do país a um governo estrangeiro. E isso é inaceitável. A resistência do governo brasileiro, em tempos de pressão global e ataque institucional, tem sido uma afirmação de maturidade democrática. Mas ela precisa vir acompanhada da responsabilização de quem escolheu romper com a democracia.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes de aplicar tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar a Bolsonaro não é exagerada. É uma medida necessária diante do risco real que ele representa para a ordem democrática. Tentar obstruir a Justiça com apoio externo é um crime gravíssimo. Nesse cenário, as instituições brasileiras estão sendo forçadas a agir como barreiras de proteção à soberania. E o Judiciário, ao reafirmar sua autonomia mesmo diante de pressões internas e externas, mostra que ainda há quem defenda a democracia com firmeza. Essa firmeza é o que impede que nos transformemos numa república subordinada ao arbítrio estrangeiro, como em outras páginas sombrias da história da América Latina. Quando os três poderes funcionam para proteger o Estado Democrático de Direito, é sinal de que o país ainda respira. E esse fôlego precisa ser sustentado pela ação política, institucional e cidadã.

Agora, o Congresso precisa escolher: vai defender o Brasil ou vai se alinhar à chantagem de Trump e à traição dos Bolsonaro? Vai responsabilizar os conspiradores ou fechar os olhos e permitir que o país seja refém? Já passou da hora de abrir processos de cassação e responsabilização criminal contra Jair, Eduardo e todos os envolvidos nesse escândalo. O silêncio, neste caso, será cumplicidade. O momento exige coragem, decisão e compromisso com a pátria — não com a autopreservação de alianças políticas oportunistas. O país está diante de uma encruzilhada histórica. E a omissão agora não será esquecida.
Chico Buarque escreveu “Apesar de Você” para enfrentar uma ditadura. Hoje, a ameaça é outra — e Bolsonaro tentou fazer o mesmo, só que com tweets e dólares americanos. Mas, apesar de você, Bolsonaro, o Brasil continua firme. Nossa democracia sobreviveu a generais, censura e tortura — e também vai resistir aos traidores de terno e gravata. Como disse Chico:
"Você vai pagar, e é dobrado Cada lágrima rolada nesse meu penar..."
O tempo da impunidade acabou. O Brasil não vai mais ser chantageado. Nem por Trump, nem por Bolsonaro.
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