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Quando contar demais também machuca: os limites do jornalismo diante da violência de gênero


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Por Zalxijoane Ferreira*


Escolhi trabalhar - e viver - a comunicação por acreditar que contar histórias e mostrar fatos podem transformar o mundo.


Podem?


Em quase 23 anos de atuação nessa área - como profissional - percebi que nem toda história precisaria (ou deveria) ser contada. Especialmente quando se trata da dor de meninas, adolescentes e mulheres vítimas de violência. Uma dor que, invariavelmente, elas já carregarão para sempre na memória, no corpo e na alma.


Há algo que me incomoda profundamente quando escrevo sobre esses casos. Não é o tema em si - sei da importância de dar visibilidade à violência de gênero, de denunciar, de provocar reflexão.


O que me incomoda é o modo como, muitas vezes, somos levadas a contar essas histórias: com nomes, fotos, detalhes cruéis e, muitas vezes, sem o consentimento da parte violada.


Estamos informando ou estamos expondo?


Não foram poucas as vezes em que, ao apurar e escrever uma matéria, senti um nó na garganta. Uma adolescente abusada sexualmente, cuja história virou estatística - e manchete; uma mulher agredida pelo companheiro, com seu rosto estampado em redes sociais; crianças que perderam a mãe de forma brutal, mas cuja privacidade parece não importar diante da lógica de cliques e engajamento.


É cruel. E, bem pior, é comum.


O jornalismo tem um papel fundamental na luta contra a violência. Mas não podemos nos esquecer que, por trás de cada caso, há uma vida... há muitas vidas - e vidas não são pautas!


São histórias que carregam traumas, famílias em luto, adolescentes tentando se reconstruir em silêncio... Silêncio ensurdecedor!


Quando expomos demais, podemos causar uma segunda violência: aquela que vem do julgamento público, da revitimização e da vergonha.


Muitas vezes me pego relendo o que escrevi, tentando remontar períodos, suavizar a dor sem omitir a verdade. Tento preservar nomes, rostos, identidades.


Quando não consigo, me sinto na "desobrigação" de seguir em frente com aquela história. Aprendi que também posso ser vítima do meu próprio trabalho. Aprendi a dizer não a ele, o trabalho.


Hoje, não escrevo mais matérias que chegam como "furo de reportagem" para não violentar quem já foi violentada. Para não me sentir violentada também!


Há formas de abordagem ética sim. Textos responsáveis que não vão além do informar, sem exceder. Mesmo assim, sinto que há uma linha tênue entre o jornalismo que denuncia e o que explora. E tenho medo de cruzá-la.


Nós, comunicadoras e comunicadores devemos refletir sobre as práticas como profissionais e como sociedade; sobre o preço que outras pessoas pagam para que a notícia “renda”.


A dor alheia não pode ser entretenimento. A dor alheia precisa ser tratada com ética, com cuidado, com responsabilidade.


É possível informar sem expor. Denunciar sem ferir ainda mais. A empatia também pode ser uma ferramenta de transformação.


*Sou radialista (UFPE) e jornalista (Unicap), atuei na Rádio e na TV do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação; TV e Rádio Universitária; 103 FM; Raio Comunicação; Assessoria de Comunicação do Cremepe; Assessoria de Imprensa do Sindsep e Assessoria de Comunicação de Armando Monteiro Neto/CNI. Atualmente sou diretora de jornalismo da Rádio Itapuama FM, onde também produzo e apresento o programa De Primeira Categoria.

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